little criminals num sonho de criança
2009
Anda comigo, disse ele. As suas unhas estão sujas, tem a roupa com nódoas. Sigo-o. Ele esboçou um sorriso. Preciso aceitar para não dizer que sou um mariquinhas. Tenho algum medo. Não sei onde me leva. Entrámos pela frente do prédio dele e saímos pela porta das traseiras. Espero que a minha avó não ande à minha procura entretanto. Atravessamos as garagens semi-abandonadas transformadas em lixeira. Onde vamos? Perguntei, Anda, é um sítio que conheço, mas tens de guardar segredo ouviste puto? Não gosto quando me trata por puto, mas ele é mais velho e neste momento não quero entrar em guerra com ele. Anda, despacha-te, se não vêm-nos. Estou a ir. Acabei de ver um rato, mas não disse nada, enorme, ali à frente. Que nojo. Tenho de lavar as mãos mal chegue a casa.
Estão a fazer o quê aqui putos?
Assustei-me. Estes são muito mais velhos do que nós. São três e estão a fazer qualquer coisa que não percebo bem. Será aquilo da droga? Parei. Permaneço quieto, estático. Pó caralho pá, disse o meu amigo ao que está de pé. Os outros estão um de cócoras e o outro sentado numa lata virada ao contrário. Vê lá vê se digo à puta da tua mãe que andas por aqui. Fodo-te a cabeça com uma pedra quando tiveres ca moca, disse o meu amigo, Anda, rápido. Dei uma corrida pelo lugar da porta por onde ele desapareceu. Ele respondeu à altura àqueles gajos. Ele tem mais experiência do que eu. Muito mais. Eu tive medo, mas não digo a ninguém. Estamos a subir por umas escadas sujas, em cimento, as paredes pintadas com aquelas latas. Não percebo os desenhos. Já subimos para aí ao terceiro andar. Vejo que só falta um. Anda, estamos a chegar. Chegámos onde seria o sótão do prédio, mas não há nada aqui a não ser lixo e uma clarabóia escurecida no topo. Não há saída, porque viemos aqui? Não sejas tótó, disse ele dando-me um encontrão com o cotovelo. Olha aí pá, gritei eu empurrando o braço de volta. Sorrimos um para o outro. Ele tirou umas tábuas encostadas a um canto e pôs a descoberto um buraco na parede. Bora. Não posso ir por aí, Não sejas parvo, já aqui estamos, não queres ver isto?
Na realidade não, mas se volto para trás vou ter de passar pelos outros e fazer tudo sozinho. Vou segui-lo, ao menos estou acompanhado e ele diz que conhece isto.
Ele já está do outro lado, tem as calças todas sujas de pó. Vou-me sujar todo e o que vou dizer? Que caí a jogar à bola. Boa. Ganhei novo ímpeto com aquela desculpa e passo o buraco de uma só vez. Sacudo a maior do pó. Anda, não sejas maricas com isso.
Levantei-me. Olhei em volta. Os meus olhos mostram-me um sótão gigantesco, ainda em tijolo, por acabar. Faz a ligação de todos os prédios, explicou ele. Cheira a pó, a cimento, a humidade. O meu coração bate mais depressa. Adoro este sítio. Parece um sonho qualquer que já tive, não sei. Depois do medo que senti, agora sinto-me bem, parece que cheguei a casa e que nada me pode fazer mal.
É fixe não é, perguntou enquanto colocava as tábuas no buraco atrás de nós.
Aqui ninguém nos descobre pois não? É um lugar muita fixe. Como o descobriste? Foi um amigo do meu irmão, Onde está ele? O teu irmão? Não sei, foi-se embora há um ano ou coisa assim, discutia muito com a minha mãe e como já tinha dezasseis anos foi-se embora. Só dezasseis? Mas ainda devia estar a estudar ou isso não era? Ele andava naquela escola ali de cima mas ele só arranjava problemas, a polícia até chegou a vir trazê-lo cá a casa uma vez, eu até acordei com a minha mãe a gritar com ele. O que ela lhe disse? Disse que ele era um vagabundo, um drogado e ele disse-lhe que ao menos não fazia broches a estranhos. Broches? Que é isso? Não sei bem... Deixa isso agora, anda aqui ao fundo, isto dá a volta ali, anda.
Corremos por todo o sótão, respirámos o pó que levantáva-mos, demos chutos em garrafas vazias, espreitámos cada recanto, e num desses recantos havia uma passagem para um outro sótão de um dos prédios habitados. Saímos para a escada pela porta do sótão que abria por dentro e apenas estava no trinco. Vês? Não te disse? Eles fecham só no trinco porque não pensam que alguém venha de dentro, disse o meu amigo com um sorriso rasgado de quem enganou uma multidão, claro que para entrar é preciso ir sempre pelo outro lado. Descemos as escadas sem fazer muito barulho não fosse alguém perguntar de onde vínhamos. Acabámos por sair pelas traseiras mesmo por detrás das hortas. Atravessámos um carreiro de terra e fomos sair ao fundo da rua dele. Já viste onde estamos? Sim, muito fixe.
Parece-me que se passaram horas e que acabei de chegar de uma volta ao mundo. Tenho de voltar não vá a minha avó estar à minha procura.
Tenho que ir embora. Já? A minha avó deve estar à minha procura. Ainda vens hoje? Acho que não posso. Ok.
A verdade é que nem me atrevo a pedir para sair depois de jantar. É impossível sair a essa hora, mas não lhe posso dizer isso.
Onde andaste? Não te vi aqui na rua. Desculpa vó, mas estive ali atrás com um amigo meu. Quem? O Paulo. Esse não é o filho daquela Odete? Não sei vó, Não te quero com o filho dessa, sabe-se lá as doenças que não terá com a vida que leva, Mas ele é meu amigo, fogo! A mão dela foi rápida demais para mim. E é bem feita, diz ela, que é para não responderes assim, e a próxima vez que saíres daqui de frente levas outra vez. Sinto a cara dormente. As lágrimas saem-me descontroladas. Odeio-a, não percebe nada. Vai lavar as mãos e vamos para a mesa.
O comboio passa lá fora. Os dias ainda estão longos. A minha cara ainda está a latejar. Respiro fundo num soluço. Sentado à mesa coloco a mão sobre a cara para que ela veja que me dói e sinta pena. A cabeça não cai, diz ela insensível. Bruta, penso eu.
Estão a fazer o quê aqui putos?
Assustei-me. Estes são muito mais velhos do que nós. São três e estão a fazer qualquer coisa que não percebo bem. Será aquilo da droga? Parei. Permaneço quieto, estático. Pó caralho pá, disse o meu amigo ao que está de pé. Os outros estão um de cócoras e o outro sentado numa lata virada ao contrário. Vê lá vê se digo à puta da tua mãe que andas por aqui. Fodo-te a cabeça com uma pedra quando tiveres ca moca, disse o meu amigo, Anda, rápido. Dei uma corrida pelo lugar da porta por onde ele desapareceu. Ele respondeu à altura àqueles gajos. Ele tem mais experiência do que eu. Muito mais. Eu tive medo, mas não digo a ninguém. Estamos a subir por umas escadas sujas, em cimento, as paredes pintadas com aquelas latas. Não percebo os desenhos. Já subimos para aí ao terceiro andar. Vejo que só falta um. Anda, estamos a chegar. Chegámos onde seria o sótão do prédio, mas não há nada aqui a não ser lixo e uma clarabóia escurecida no topo. Não há saída, porque viemos aqui? Não sejas tótó, disse ele dando-me um encontrão com o cotovelo. Olha aí pá, gritei eu empurrando o braço de volta. Sorrimos um para o outro. Ele tirou umas tábuas encostadas a um canto e pôs a descoberto um buraco na parede. Bora. Não posso ir por aí, Não sejas parvo, já aqui estamos, não queres ver isto?
Na realidade não, mas se volto para trás vou ter de passar pelos outros e fazer tudo sozinho. Vou segui-lo, ao menos estou acompanhado e ele diz que conhece isto.
Ele já está do outro lado, tem as calças todas sujas de pó. Vou-me sujar todo e o que vou dizer? Que caí a jogar à bola. Boa. Ganhei novo ímpeto com aquela desculpa e passo o buraco de uma só vez. Sacudo a maior do pó. Anda, não sejas maricas com isso.
Levantei-me. Olhei em volta. Os meus olhos mostram-me um sótão gigantesco, ainda em tijolo, por acabar. Faz a ligação de todos os prédios, explicou ele. Cheira a pó, a cimento, a humidade. O meu coração bate mais depressa. Adoro este sítio. Parece um sonho qualquer que já tive, não sei. Depois do medo que senti, agora sinto-me bem, parece que cheguei a casa e que nada me pode fazer mal.
É fixe não é, perguntou enquanto colocava as tábuas no buraco atrás de nós.
Aqui ninguém nos descobre pois não? É um lugar muita fixe. Como o descobriste? Foi um amigo do meu irmão, Onde está ele? O teu irmão? Não sei, foi-se embora há um ano ou coisa assim, discutia muito com a minha mãe e como já tinha dezasseis anos foi-se embora. Só dezasseis? Mas ainda devia estar a estudar ou isso não era? Ele andava naquela escola ali de cima mas ele só arranjava problemas, a polícia até chegou a vir trazê-lo cá a casa uma vez, eu até acordei com a minha mãe a gritar com ele. O que ela lhe disse? Disse que ele era um vagabundo, um drogado e ele disse-lhe que ao menos não fazia broches a estranhos. Broches? Que é isso? Não sei bem... Deixa isso agora, anda aqui ao fundo, isto dá a volta ali, anda.
Corremos por todo o sótão, respirámos o pó que levantáva-mos, demos chutos em garrafas vazias, espreitámos cada recanto, e num desses recantos havia uma passagem para um outro sótão de um dos prédios habitados. Saímos para a escada pela porta do sótão que abria por dentro e apenas estava no trinco. Vês? Não te disse? Eles fecham só no trinco porque não pensam que alguém venha de dentro, disse o meu amigo com um sorriso rasgado de quem enganou uma multidão, claro que para entrar é preciso ir sempre pelo outro lado. Descemos as escadas sem fazer muito barulho não fosse alguém perguntar de onde vínhamos. Acabámos por sair pelas traseiras mesmo por detrás das hortas. Atravessámos um carreiro de terra e fomos sair ao fundo da rua dele. Já viste onde estamos? Sim, muito fixe.
Parece-me que se passaram horas e que acabei de chegar de uma volta ao mundo. Tenho de voltar não vá a minha avó estar à minha procura.
Tenho que ir embora. Já? A minha avó deve estar à minha procura. Ainda vens hoje? Acho que não posso. Ok.
A verdade é que nem me atrevo a pedir para sair depois de jantar. É impossível sair a essa hora, mas não lhe posso dizer isso.
Onde andaste? Não te vi aqui na rua. Desculpa vó, mas estive ali atrás com um amigo meu. Quem? O Paulo. Esse não é o filho daquela Odete? Não sei vó, Não te quero com o filho dessa, sabe-se lá as doenças que não terá com a vida que leva, Mas ele é meu amigo, fogo! A mão dela foi rápida demais para mim. E é bem feita, diz ela, que é para não responderes assim, e a próxima vez que saíres daqui de frente levas outra vez. Sinto a cara dormente. As lágrimas saem-me descontroladas. Odeio-a, não percebe nada. Vai lavar as mãos e vamos para a mesa.
O comboio passa lá fora. Os dias ainda estão longos. A minha cara ainda está a latejar. Respiro fundo num soluço. Sentado à mesa coloco a mão sobre a cara para que ela veja que me dói e sinta pena. A cabeça não cai, diz ela insensível. Bruta, penso eu.
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