tabula rasa

t a b u l a r a s a | A l t e r E g o | d e I m p r o v i s o

...deImproviso

a vida é um improviso constante.

b l o g
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T a b u l a R a s a P l a y e r

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despojos do passado

Hoje, precisamente hoje, revolvi os despojos do passado que haviam sido colocados em sacos e caixas para me serem entregues. Apercebi-me então do quanto já vivi. Apercebi-me de como estou velho. Não velho, velho, mas muito diferente das fotos antigas acumuladas nos despojos que mostram outro que já não sou. Mostrando-me hoje aquilo que na altura não vi. Mostrando-me com um arrepio na pele, ao ler cartas com o meu nome no destinatário e a morada ainda de casa da minha mãe, que não soube receber aquilo que me quiseram dar. E lamento ter magoado quem magoei, mas na altura via mal, mas também acredito que tudo tem um propósito, que não existem nestas coisas culpados e vítimas, porque todos somos vítimas e culpados, e no fundo, em última análise, não somos nada mais do que aprendizes. E vejo agora, o quanto mudei, o quanto aprendi, o quanto passei a ver. De tal forma que julgo hoje que os meus olhos já não são os que tinha, como se me tivessem feito um transplante a dada altura do qual não me lembro.
Hoje, precisamente hoje, que a minha vida sofre uma reviravolta, um possível exorcismo, deparo-me com a minha história como se tratasse do balanço anual da firma de emoções que somos.

E mais uma vez sentado neste vagão sonolento com paisagens a correrem lá fora banhadas pela luz doce do Sol fresco da manhã...
Os armazéns sobranceiros à via férrea são mundos estagnados sem vida cuja imagem nos entra pelos sonhos nas noites em que somos bafejados pela sorte de sonhar coisas complexas, marginais, de uma outra vida, mas que nos faz esquecer esta que nos deixa a cabeça cansada como se nunca dormíssemos.
Quantas almas irmãs da minha terei sentadas a meu lado nestas carruagens que se arrastam até à estação terminal dos caminhos de ferro? Quantos terão mundos paralelos como o meu, aquele que herdei do tempo em que era menino e vivia numa casa sobranceira aos vagões que passavam lá fora mesmo nas traseiras do meu quarto? Não quero saber! Sinceramente não quero saber quem aqui está porque todos os mundos são diferentes. Fico feliz por partilhar parte do meu convosco, sabendo porém que pouco consigo mostrar, sabendo porém que ainda menos conseguem perceber. Mas vejam se entendem que o fundamento disto não é compreenderem o meu mundo, mas sim fazer com que as coisas do meu mundo façam com que pensem no vosso. Essa é a melhor recompensa que posso receber, porque essa é a melhor coisa que me pode acontecer quando leio aqueles que passam a ser os melhores livros da minha vida.

Amo-te mas não vou quebrar, amo-te mas não vou cair, sinto-te a falta mas não vou desejar-te, matar-te-ei em mim mas não morrerei.

Mais uma vez sentado neste vagão agora menos sonolento, mais activo, mais desiludido, mais revoltado, com as entranhas em revolta, numa rotação motorizada, atravessando paisagens onde as brumas tocam o rio em desespero para que o sol brilhe mais logo. Mas hoje o senhor do tempo deu chuva, disseram-me ainda há pouco.
As dunas tristes da estepe à beira rio, tão desertas, tão planas, tão aparentemente estéreis são o reflexo desta carruagem tão vulgar e vazia de tão cheia.
E os contentores? Aquele amontoado colorido como legos gigantes empilhados por um menino grande que se recusou a ser homem?...
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