tabula rasa

t a b u l a r a s a | A l t e r E g o | d e I m p r o v i s o

...deImproviso

a vida é um improviso constante.

b l o g
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T a b u l a R a s a P l a y e r

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cães do desejo

Lançaste-me aos cães do teu desejo e o meu coração corre louco por entre as árvores da felicidade e da esperança sem saber se foge ou se te procura, no receio íntimo de que as agulhas dos pinheiros que caiem ao chão sejam as agulhas cruéis de quem começou a jogar num ímpeto leviano um jogo que afinal não quer jogar.
Lançaste-me aos cães do teu desejo e afinal não é o meu coração que corre, mas sim eu, ao teu encontro na cegueira de ter nas mãos o sonho mais doce que um dia sonhei, de ter nas mãos o fruto do desejo que mais procurei. Mas hoje apercebo-me, à medida que os meus dedos se começam a tornar num passador rombo, que a esperança é afinal uma fantasia carnavalesca que a crueldade vestiu. E por entre as minhas mãos vejo partir na angústia do calor, eu próprio, tentando acreditar que nada mais foi do que uma noite mal dormida este sono que levo ao volante numa ressaca que trago ao peito.
Pedi-te um sinal, e na minha carência sôfrega não vi nada com medo de perceber um qualquer sinal que não existisse e que me levasse a tomar uma qualquer atitude por ti indesejada resultando num constrangimento que não seria capaz de suportar. Não vi nada com medo de ver que o sinal que pedi poderia ser afinal o sinal para eu partir.
No fim observei com sentido prático da realidade que todos os sinais que me deste foram para eu ficar, sabendo eu que ficando continuaria a tortura da saudade e do desejo que não seria saciado.
Lancei-te então aos cães do meu desejo que nem cães eram, apenas cachorros, no receio que os cães tivessem demasiado ímpeto. E assim optei por te seduzir com a minha presença, com a subtil presença do desejo, com os subtis jogos de contacto – contacto de olhos, de pele, de ombros em abraços fugidios, de mãos, de beijos inocentes aos olhos dos outros, de sorrisos e piscar de olhos.
Lancei-te aos cães do meu desejo que nem cães eram, na dúvida de que o arrependimento se tivesse tornado o motivo do teu aparente afastamento e eu estivesse a iniciar um jogo de onde sairia numa desolação que não consigo imaginar. Finalmente, em desespero de causa quase no final da noite, exigi-te dando voz ao álcool que já me percorria o sangue, que te entregasses aos meus lábios num único beijo que me dissesse apenas que a esperança não era uma mera fantasia. Assim foi, mas fui eu que tive que te roubar três beijos numa artimanha articulada para que nos encontrássemos a sós num momento fugaz. Roubei-te três beijos num momento tão curto que quase pareceu um sonho, roubei-te três beijos porque não te entregaste a nenhum deles com medo de seres apanhada, com medo de seres infiel, com medo de incendiares dolorosa e incontrolavelmente os sentimentos que já sabemos ter um pelo outro. Mas eu, numa insatisfação angustiante, numa saudade colossal, limitei-me a permanecer no escuro que deixaste atrás ao apagares a luz, torturado pelo nó que se apoderou da minha garganta e pela dúvida renovada se não seria mesmo o arrependimento que te afastava de mim. Pareceu-me então ser isso mas que te faltavam as palavras certas, a coragem de o dizer por não saberes a forma correcta de o fazer. Convivi toda a viagem que me levou para longe de ti na manhã seguinte, com essa dúvida. Sobrevivi a todo esse dia dormente pela dúvida. E à noite perguntei-te isso mesmo, se estavas arrependida, e lá longe, do outro lado do telefone, disseste pelo meio de um choro subtil que parecia uma gripe, que não. Disseste que não, mas ainda hoje, um dia depois, sobrevoo o continente asiático num voo veloz, dentro da barriga deste pássaro gigante onde permaneço muito quieto tentando não acreditar que apenas não soubeste dizer que sim. Tentando acreditar que não estás apenas à espera que eu volte para me dizeres que posso partir.
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