tabula rasa

t a b u l a r a s a | A l t e r E g o | d e I m p r o v i s o

...deImproviso

a vida é um improviso constante.

b l o g
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T a b u l a R a s a P l a y e r

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mancha, medo, num heterónimo qualquer

Uma mancha de amor no chão que caiu do meu peito. Sai mais depressa uma mancha de sangue... - Já lá diz a música.
Uma noite, somente uma noite de liberdade, aquela noite imaginária à beira da praia em que imaginei o mundo perfeito que trago em mim, mas no nosso íntimo sabemos que estamos a viver enganados. O momento é falso, aquele instante não existe.
Caminhámos junto à praia junto ao grande hotel. A noite não era perfeita, estava um vento frio, o resto do mundo para além daquele lugar deixava-me apreensivo, a realidade para além daquele passeio nocturno existia e assombrava o mundo perfeito que gostava de ter naquele instante. Queria fugir - queremos fugir tantas vezes - e eu queria fugir para aquele cantinho de mundo que só eu sei encontrar, nem frio nem calor a não ser que eu o deseje, música perfeita numa banda sonora escolhida a dedo, sorrisos perfeitos e sem medo.
O medo. O medo que todos têm, é o medo de nem sei bem o quê, porque cada um tem um medo diferente. Medo de falhar, de perder, de ser gozado, de ser enxovalhado, criticado, o medo de sofrer por amor por não se ser correspondido, medo de ser traído, medo de se perder o que se tem, medo de se perder o que já se perdeu há tanto tempo. Este é talvez o medo mais ridículo, o medo de se perder aquilo que já se perdeu. Para se ter medo disso, é necessário andarmos a esconder a realidade de nós próprios, é necessário não se querer ver, é necessário andar a mentir a nós próprios. É necessário mentires a ti próprio quando te deitas todas as noites, a ti, sim, a ti que te tratas por tu, que te conheces como mais ninguém. Ter medo disto é viver no passado, é respirar para se poder dizer que se respira apenas, quando respirar é apenas a base de todas as outras funções.
Divago no que digo porque não quero dizer exactamente aquilo que quero dizer. Deixo as palavras saírem num desabafo, num chorrilho de coisas sem sentido para que as palavras se cansem, para que eu próprio me canse sem dizer uma única palavra que quero dizer. Falo sobre coisas, sobre sonhos, sobre quem sou, sem dizer nada em concreto de cada uma delas numa fiada difusa que ninguém percebe a não ser eu quando me voltar a ler.
Divago porque não quero dizer exactamente aquilo que quero dizer. E não me importo. Não sei se tenho medo de perder alguma coisa que já perdi, caindo no medo mais ridículo que se pode ter. Não sei se tenho medo de perder algo que já perdi e que do qual não quero falar para que não me aperceba que já não o tenho, para que não me aperceba que estou a viver uma mentira. A mentira do mundo que trago em mim e que não posso trazer cá para fora.
Este é o mundo que trago cá dentro - fragmentos da vida que tenho, apenas fragmentos, porque o mundo perfeito é um mundo de fragmentos reais colados uns aos outros, apenas as melhores coisas de cada vida que já vivemos e de todas as vidas que já imaginámos viver.
As vidas que já imaginámos viver são todos os “ses” da vida que já vivemos até hoje. Até um pensamento desfocado, enquanto viajamos sentados num comboio ou autocarro ao final do dia é um “se” que ponderamos, nem que seja para fazer passar o tempo mais depressa porque estamos terrivelmente entediados com a vida que temos. E se eu afinal não morasse onde moro? E se eu saísse já nesta paragem e nunca mais voltasse?

Uma noite que ficou por viver, uma mancha que ficou por limpar, um “se” que ficou por dizer, um medo que ficou por ultrapassar.
Morro amanhã e afinal não fiz nada.

E se morresse já hoje? Afinal poderia morrer já hoje. Tiro nos cornos da vida e arruma-se a loiça. Acaba-se a peçonha do filho da puta. Agora digam o que quiserem, falem à vontade, critiquem à bruta. Deixo tudo por fazer? E depois? Não fiz nada, nem quero fazer, dá tudo demasiado trabalho. Porque raio quereria eu fazer alguma coisa? Para quem? Para mim? Eu tenho o meu mundo, este mundo que trago em mim, e levo-o comigo, e mesmo que esse meu mundo fique retido, entre esta vida e uma outra, como quem fica sem alguma coisa quando passa pelo detector dos aeroportos, pouco me importa. Já o tive, é o que me basta. E se nem existir mais nada para além disto, ainda melhor. É da maneira que não se perde nada, acaba-se já tudo aqui.
Por vezes é necessário arrasar tudo para percebermos a importância de cada coisa.
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