Goo
2005
Tudo são esferas que se sobrepõem à minha vontade num quase desespero, numa quase angústia, numa quase tristeza que deixo cair ao lado destes edifícios onde as portas de correr tipo vagão fecharam no interior o calor do dia que trespassando os telhados de zinco ondulado deixaram um sufoco quase mortal a boiar no ar.
Já não existe o tempo que tínhamos, já não existe o mundo que percorríamos despreocupadamente e ao qual tínhamos de acrescentar drama para que tudo se tornasse mais interessante. Agora, é o excesso do que não tínhamos que nos abala o dia a dia numa corrente rápida de acontecimentos e afazeres que nos rouba o tempo de estarmos connosco. Agora, é o excesso do que não tínhamos que nos impulsiona aos soluços para uma qualquer direcção que nem sabemos qual é como um choro infantil que teima em não parar.
Tudo são odores retardados ao final do dia que se fundem numa náusea omnipresente espalhada pelos bancos de todas as carruagens. Já ninguém sabe exactamente o cheiro que trazia de manhã como se fôssemos todos um amontoado da mesma massa que levedou e que não tarda agora a azedar. Já ninguém se identifica consigo próprio a esta hora da tarde. Fomo-nos espalhando ao longo das horas que passaram a correr e que não demos conta de passarem e agora só resta um pedacinho da nossa identidade que julgamos ainda ter mas que também já perdemos. Não nos iludamos porque já temos idade para isso. Sabemos bem como já não somos quem éramos porque sabemos que as horas passam sem darmos conta, mas continuamos a girar sem parar numa inconsciência que apenas cairá por terra quando às portas da morte dermos conta que passou tudo rápido demais e que fizemos exactamente: nada. Sim, sim. Fizemos muitas coisas, mas fizemos realmente alguma coisa ao olharmos para trás? Vá, e não vale a pena fazer batota, não digam já que sim. Se o disserem, digam-no apenas na sinceridade da vossa intimidade sem ninguém por perto. E aí, talvez eu já acredite.
De regresso a casa, numa realidade embriagada já mesmo no crepúsculo.
Toca o gira discos que não existe numa sonolência desesperada. Tocamos no fundo, eu e mais ninguém, ou melhor, eu e o outro, aquele que habita em mim, que me faz companhia e que me refreia à beira do abismo. Tem sido sempre assim, mas um dia isso ainda pode mudar.
Toca o som sónico do homicida que matou a imagem que o espelho reflectia. Toca a melodia bruta de quem nada tem a esconder, que nada tem a justificar e que diz a verdade na forma mais crua que conhece. Toca a ladainha rockeira do amigo Goo, esse boneco inexistente e risonho, que apenas sobrevive na cabeça de alguns que sabem que nada mais é do que um brinquedo de adolescente ao qual fazemos judiarias voodoo.
Tudo parece bem fora da nossa visão, porque a inadaptação da adolescência, por muito que a escondamos, irá sempre saltar do baú quando remexermos no mais profundo que existe em nós.
Já não existe o tempo que tínhamos, já não existe o mundo que percorríamos despreocupadamente e ao qual tínhamos de acrescentar drama para que tudo se tornasse mais interessante. Agora, é o excesso do que não tínhamos que nos abala o dia a dia numa corrente rápida de acontecimentos e afazeres que nos rouba o tempo de estarmos connosco. Agora, é o excesso do que não tínhamos que nos impulsiona aos soluços para uma qualquer direcção que nem sabemos qual é como um choro infantil que teima em não parar.
Tudo são odores retardados ao final do dia que se fundem numa náusea omnipresente espalhada pelos bancos de todas as carruagens. Já ninguém sabe exactamente o cheiro que trazia de manhã como se fôssemos todos um amontoado da mesma massa que levedou e que não tarda agora a azedar. Já ninguém se identifica consigo próprio a esta hora da tarde. Fomo-nos espalhando ao longo das horas que passaram a correr e que não demos conta de passarem e agora só resta um pedacinho da nossa identidade que julgamos ainda ter mas que também já perdemos. Não nos iludamos porque já temos idade para isso. Sabemos bem como já não somos quem éramos porque sabemos que as horas passam sem darmos conta, mas continuamos a girar sem parar numa inconsciência que apenas cairá por terra quando às portas da morte dermos conta que passou tudo rápido demais e que fizemos exactamente: nada. Sim, sim. Fizemos muitas coisas, mas fizemos realmente alguma coisa ao olharmos para trás? Vá, e não vale a pena fazer batota, não digam já que sim. Se o disserem, digam-no apenas na sinceridade da vossa intimidade sem ninguém por perto. E aí, talvez eu já acredite.
De regresso a casa, numa realidade embriagada já mesmo no crepúsculo.
Toca o gira discos que não existe numa sonolência desesperada. Tocamos no fundo, eu e mais ninguém, ou melhor, eu e o outro, aquele que habita em mim, que me faz companhia e que me refreia à beira do abismo. Tem sido sempre assim, mas um dia isso ainda pode mudar.
Toca o som sónico do homicida que matou a imagem que o espelho reflectia. Toca a melodia bruta de quem nada tem a esconder, que nada tem a justificar e que diz a verdade na forma mais crua que conhece. Toca a ladainha rockeira do amigo Goo, esse boneco inexistente e risonho, que apenas sobrevive na cabeça de alguns que sabem que nada mais é do que um brinquedo de adolescente ao qual fazemos judiarias voodoo.
Tudo parece bem fora da nossa visão, porque a inadaptação da adolescência, por muito que a escondamos, irá sempre saltar do baú quando remexermos no mais profundo que existe em nós.
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