improviso 7
2005
Quem desce a Calçada de Carriche, do lado direito, existem uns prédios tipo torre forrados a azulejo castanho se não estou em erro. Ao nível de um segundo ou terceiro andar de quem olha para a calçada, existem uns terraços onde as entradas dos blocos convergem delimitadas por gradeamentos enferrujados e paredes decoradas por grafitis descolorados. Os canteiros espalhados aqui e ali já há muito que deixaram de ter flores ou árvores. Amontoam terra estéril, pedras avulsas de calçada, lixo e restos de vícios. Logo ali abaixo, sobe o ruído dos motores e o cinzento dos fumos que os escapes libertam numa toxicidade a que a cidade nos habituou. Ao longe, as encostas ainda nuas de apartamentos – galinheiros cujas cores têm convergido ultimamente para um extremo mau gosto que provoca enjoo, - revelam o Sol poente num entardecer longínquo e ainda inocente. Mas ali ao pé, as luzes laranja prestes a acender não revelam nada mais do que uma faceta actualizada do heterónimo industrial a quem o poeta Pessoa chamou Álvaro. Ali ao pé, a paixão pelo medíocre gigantesco da cidade, a paixão por todos os pequenos mundos que saltam de todas as janelas num grito abafado e suicida cresce dentro de nós como uma doença terminal que nos encanta e aniquila.
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