Recordo tudo. Não justifico nada.
2007
Este é o som da noite, da solidão... O som de uma noite cheia de um vazio tão antigo. Um frasco vazio no escuro do silêncio. Um frasco aberto e tombado de onde nada derrama, deixando sobre o tampo da mesa a angústia de sabermos que nada mais existe para além deste momento, deste eco estéril que se repetirá até ao dia da nossa morte. Todos os dias serão assim.
Volto a sentir o sabor do álcool na boca quebrando o pacto... Enquanto a minha moral encolhe os ombros sorrindo. E é então que me apercebo que através da máscara, quem sorri é o meu cinismo com a maldade nos cantos da boca, e em pensamento beijo a sorrir também essa mesma boca de forma leviana e lasciva como todos os beijos que dei em todas as infidelidades que cometi.
Recordo tudo não justificando nada. Tudo foi como foi. Nada mais, nada menos. Não me preocupo nem sofro. Ignoro a diplomacia e a imagem que deixo aos outros. Sorrio eu próprio com maldade como uma criança sádica que ignora ainda o bem e o mal.
Morra quem tiver que morrer. A vida é tão pouco ou nada quando espremida. A vida é como as marés do mar. E a maior parte dos dias são apenas espuma. E o sal, aquilo que dá sabor, é necessário deixar secar ao sol, sem pressa, nos dias em que a vida já quase não tem vida, quando as marés com vagar quase já não correm...
Tudo o que vivi foi um quotidiano banal, sem emoção, pois toda a emoção que tive, os bons momentos que recordo, foram sonhos que plantei nos espaços vazios dos dias. Nada de bom existiu realmente a partir do momento em que abandonei a minha infância na casa onde cresci...
Chove lá fora não sei bem porquê. Não faz sentido chover hoje porque hoje estou cá dentro e é-me indiferente que chova ou não. Mas também já pensei que poderá não ter nada a ver comigo. Provavelmente será isso...
O meu velho companheiro dá-me alento: o copo com a figurinha do signo estampada que permanece na esquina do sofá junto ao pé, como um proxeneta sisudo prostituindo palavras e imagens que eu aproveito sem regatear. Finjo que a minha dependência é feroz deixando-o vaidoso e de peito inchado, exactamente onde o quero, na esquina do meu sofá, junto ao pé.
Recordo Coimbra, essa cidade portuguesa do conhecimento. Recordo o pouco tempo que lá passei quando lá estudava. Mas recordo sobretudo a última noite quando jantámos naquela velha tasca pela primeira e última vez.
Recordo todos os membros da tuna académica a que nunca pertenci. São hoje todos eles gente banal.
Recordo a república onde não dormi uma única noite, pois dormi sempre em quartos onde acampei em troca do meu corpo e da minha mente. Paguei-os caros, em troca da liberdade de ser quem era. E cresci depressa demais.
Anos mais tarde voltei a dormir nessa mesma cidade. Mais uma vez num quarto alugado em troca de favores. Apaixonado então, falei no escuro horas a fio para Lisboa vendo pela janela as traseiras de um qualquer bairro. Com o coração aos pulos através daquele fio sonhámos que ela me viria buscar horas mais tarde para vivermos uma madrugada infinita de paixão, perdidos nas ruas esperando um amanhecer que nunca surgiria. Presos no tempo, nas luzes, nas vielas, nos quartos onde dormiríamos dias e dias condensados numa só noite...
Nada aconteceu. Mas lembro-me de tudo.
Por cada sorriso que recordo existe um par de olhos a chorar. Pergunto-me por vezes se não terei sonhado tudo a dançar com os sentidos fora de mim na pista de dança da velha Jukebox. No entanto, existem testemunhas que comprovam que não foi bem assim que as coisas aconteceram. E por elas digo que não existem vitimas nem culpados... E talvez hajam, mas cada qual passa pelo caminho que tem de passar.
Já sonhei tanto com lugares onde vivi, e onde vivi tantas coisas que me pareceram sonhos. De tal maneira, que as duas formas se misturam numa realidade que dentro de mim transcende a própria realidade que abraçamos como verdadeira. É como se a minha realidade fosse diferente da dos outros e eu não soubesse explicar. E não sei explicar, a verdade é essa.
Nada do que digo faz grande sentido fora de mim. E quem possa ler isto eventualmente, poderá muito bem atestar o que digo. E é inevitável soltar uma convulsão sorridente, um esgar de gozo.
Tudo o que escrevo é literariamente pobre. Mal escrito, até... Mas genuíno. Tudo sou eu, ou uma parte de mim pelo menos. Nada é estudado, encadeado de forma a agarrar quem está desse lado das páginas – e isto é mentira porque quem escreve e quem lê está exactamente do mesmo lado, apenas estão em tempos diferentes. E mentiria se dissesse que não gostaria de ser lido, mas não tenho a pretensão de ser escritor, apenas a pretensão de tentar conhecer um pouco melhor este que se deita no papel, tantas vezes apenas para adormecer. É então, quando isso acontece, que o som do mar vai entrando devagar pelas portas da varanda, trazendo o cheiro do entardecer e a brisa de um arrepio que se mistura com o jazz e a chama de uma vela, que vai dançando com o fumo de um cigarro esquecido ao lado de um café já frio.
E cada página arrancada de dentro de nós é um cansaço imenso.
Volto a sentir o sabor do álcool na boca quebrando o pacto... Enquanto a minha moral encolhe os ombros sorrindo. E é então que me apercebo que através da máscara, quem sorri é o meu cinismo com a maldade nos cantos da boca, e em pensamento beijo a sorrir também essa mesma boca de forma leviana e lasciva como todos os beijos que dei em todas as infidelidades que cometi.
Recordo tudo não justificando nada. Tudo foi como foi. Nada mais, nada menos. Não me preocupo nem sofro. Ignoro a diplomacia e a imagem que deixo aos outros. Sorrio eu próprio com maldade como uma criança sádica que ignora ainda o bem e o mal.
Morra quem tiver que morrer. A vida é tão pouco ou nada quando espremida. A vida é como as marés do mar. E a maior parte dos dias são apenas espuma. E o sal, aquilo que dá sabor, é necessário deixar secar ao sol, sem pressa, nos dias em que a vida já quase não tem vida, quando as marés com vagar quase já não correm...
Tudo o que vivi foi um quotidiano banal, sem emoção, pois toda a emoção que tive, os bons momentos que recordo, foram sonhos que plantei nos espaços vazios dos dias. Nada de bom existiu realmente a partir do momento em que abandonei a minha infância na casa onde cresci...
Chove lá fora não sei bem porquê. Não faz sentido chover hoje porque hoje estou cá dentro e é-me indiferente que chova ou não. Mas também já pensei que poderá não ter nada a ver comigo. Provavelmente será isso...
O meu velho companheiro dá-me alento: o copo com a figurinha do signo estampada que permanece na esquina do sofá junto ao pé, como um proxeneta sisudo prostituindo palavras e imagens que eu aproveito sem regatear. Finjo que a minha dependência é feroz deixando-o vaidoso e de peito inchado, exactamente onde o quero, na esquina do meu sofá, junto ao pé.
Recordo Coimbra, essa cidade portuguesa do conhecimento. Recordo o pouco tempo que lá passei quando lá estudava. Mas recordo sobretudo a última noite quando jantámos naquela velha tasca pela primeira e última vez.
Recordo todos os membros da tuna académica a que nunca pertenci. São hoje todos eles gente banal.
Recordo a república onde não dormi uma única noite, pois dormi sempre em quartos onde acampei em troca do meu corpo e da minha mente. Paguei-os caros, em troca da liberdade de ser quem era. E cresci depressa demais.
Anos mais tarde voltei a dormir nessa mesma cidade. Mais uma vez num quarto alugado em troca de favores. Apaixonado então, falei no escuro horas a fio para Lisboa vendo pela janela as traseiras de um qualquer bairro. Com o coração aos pulos através daquele fio sonhámos que ela me viria buscar horas mais tarde para vivermos uma madrugada infinita de paixão, perdidos nas ruas esperando um amanhecer que nunca surgiria. Presos no tempo, nas luzes, nas vielas, nos quartos onde dormiríamos dias e dias condensados numa só noite...
Nada aconteceu. Mas lembro-me de tudo.
Por cada sorriso que recordo existe um par de olhos a chorar. Pergunto-me por vezes se não terei sonhado tudo a dançar com os sentidos fora de mim na pista de dança da velha Jukebox. No entanto, existem testemunhas que comprovam que não foi bem assim que as coisas aconteceram. E por elas digo que não existem vitimas nem culpados... E talvez hajam, mas cada qual passa pelo caminho que tem de passar.
Já sonhei tanto com lugares onde vivi, e onde vivi tantas coisas que me pareceram sonhos. De tal maneira, que as duas formas se misturam numa realidade que dentro de mim transcende a própria realidade que abraçamos como verdadeira. É como se a minha realidade fosse diferente da dos outros e eu não soubesse explicar. E não sei explicar, a verdade é essa.
Nada do que digo faz grande sentido fora de mim. E quem possa ler isto eventualmente, poderá muito bem atestar o que digo. E é inevitável soltar uma convulsão sorridente, um esgar de gozo.
Tudo o que escrevo é literariamente pobre. Mal escrito, até... Mas genuíno. Tudo sou eu, ou uma parte de mim pelo menos. Nada é estudado, encadeado de forma a agarrar quem está desse lado das páginas – e isto é mentira porque quem escreve e quem lê está exactamente do mesmo lado, apenas estão em tempos diferentes. E mentiria se dissesse que não gostaria de ser lido, mas não tenho a pretensão de ser escritor, apenas a pretensão de tentar conhecer um pouco melhor este que se deita no papel, tantas vezes apenas para adormecer. É então, quando isso acontece, que o som do mar vai entrando devagar pelas portas da varanda, trazendo o cheiro do entardecer e a brisa de um arrepio que se mistura com o jazz e a chama de uma vela, que vai dançando com o fumo de um cigarro esquecido ao lado de um café já frio.
E cada página arrancada de dentro de nós é um cansaço imenso.
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